Análise Crítica da Ausência de Regulamentação da Inteligência Artificial no Brasil e a Exploração dos Trabalhadores de Dados não Remunerados

A falta de regulamentação específica para a inteligência artificial (IA) no Brasil tem suscitado preocupações e críticas no âmbito jurídico. Um exemplo dessa problemática é a utilização de técnicas conhecidas como reinforcement learning a partir do feedback humano (RLHF) em chatbots de IA, visando melhorar suas respostas e reduzir a disseminação de ideias tóxicas e sem sentido.

Nesse contexto, há um pequeno exército de especialistas humanos em anotação de dados que avaliam a adequação e fluidez de sequências de texto geradas pelos chatbots. Esses profissionais decidem se uma resposta deve ser mantida no banco de dados do modelo de IA ou se deve ser descartada.

Apesar dos avanços nessa área, é importante ressaltar que mesmo os chatbots de IA mais sofisticados requerem milhares de horas de trabalho humano para alcançarem o comportamento desejado por seus criadores. No entanto, mesmo com esse esforço considerável, há sempre o risco de falta de confiabilidade nos resultados obtidos. É fundamental destacar que o trabalho dos profissionais de anotação de dados pode ser intenso e perturbador, como evidenciado durante a ACM Conference on Fairness, Accountability, and Transparency (FAccT), que aborda questões de responsabilidade e ética em sistemas de IA.

Um exemplo alarmante é a exploração dos trabalhadores de dados na Etiópia, Eritreia e Quênia, responsáveis por filtrar conteúdos perturbadores relacionados à violência e abuso sexual, a fim de tornar os chatbots de IA menos tóxicos. Esses trabalhadores recebem remunerações extremamente baixas, como menos de US$ 2 por hora, e estão agora buscando melhores condições de trabalho por meio da sindicalização.

Reportagens recentes da MIT Technology Review destacaram como a IA está contribuindo para a criação de uma nova ordem mundial colonial, colocando um fardo desproporcional sobre os trabalhadores de dados. Essa situação de exploração e falta de regulamentação do trabalho em torno da IA tornou-se ainda mais urgente com a popularização de chatbots de IA, como ChatGPT, Bing e Bard, e sistemas geradores de imagens, como DALL-E 2 e Stable Diffusion.

Os anotadores de dados desempenham um papel fundamental em todas as etapas do desenvolvimento da IA, desde o treinamento dos modelos até a validação dos resultados. Frequentemente, eles são submetidos a ritmos de trabalho acelerados e prazos apertados para cumprir metas desafiadoras. É fundamental enfatizar que a ideia de que sistemas de IA podem ser construídos em larga escala sem intervenção humana é totalmente equivocada.

Esses profissionais fornecem aos modelos de IA o contexto necessário para que possam tomar decisões em grande escala e parecerem sofisticados. No entanto, muitas vezes são confrontados com situações em que devem tomar decisões com base em contextos que lhes são estranhos, como no exemplo em que um anotador de dados na Índia foi incumbido de identificar imagens de garrafas de refrigerante similares à Dr. Pepper, mesmo sabendo que tal produto não é comercializado no país.

É importante ressaltar que, de fato, todos nós nos tornamos trabalhadores de dados não remunerados para grandes empresas de tecnologia, muitas vezes sem estarmos cientes disso. Nossos dados pessoais, obras autorais e até mesmo as contribuições que fazemos ao realizar atividades online são extraídos da Internet e incorporados a modelos de IA, gerando lucros para essas empresas. Essa disparidade de poder em favor dessas grandes corporações evidencia a necessidade de uma revolução e de uma regulamentação adequada dos dados.

Para reverter esse cenário, é essencial promover a transparência no uso dos dados e garantir que as pessoas tenham o direito de oferecer feedback e receber compensação financeira por seu trabalho. Atualmente, o trabalho de dados continua sendo subestimado e pouco valorizado globalmente, refletindo-se nos baixos salários dos anotadores.

Portanto, é imprescindível a implementação de uma regulamentação efetiva da inteligência artificial no Brasil, visando proteger os direitos dos trabalhadores de dados e garantir sua remuneração justa. Essa regulamentação deve abordar questões como condições de trabalho adequadas, remuneração digna, transparência no uso de dados pessoais e direitos de propriedade intelectual.

Ademais, é necessário promover um debate amplo e inclusivo sobre as implicações éticas e sociais da IA, envolvendo diferentes partes interessadas, como governos, empresas, academia e sociedade civil. Somente por meio de uma abordagem coletiva e colaborativa será possível estabelecer diretrizes e políticas que assegurem o desenvolvimento responsável e ético da inteligência artificial no país.

Dessa forma, é imprescindível reconhecer e valorizar o trabalho dos anotadores de dados, bem como garantir a proteção dos direitos dos indivíduos em relação aos seus dados pessoais. Somente assim será possível alcançar um equilíbrio entre o avanço tecnológico proporcionado pela inteligência artificial e a proteção dos direitos humanos e trabalhistas.

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